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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O Paquidermes Culturais entrevista: Jacob Pétry


O Paquidermes Culturais entrevistou o escritor Jacob Pétry, e aproveitou para mergulhar fundo em sua obra mais recente: “O Óbvio que Ignoramos”. A matéria está realmente imperdível!

Pergunta a parte: Quem é Jacob Pétry?

O grande filósofo dinamarquês Sören Kierkergaard disse uma coisa muito importante: “Uma vez que você me rotula, você nega minha essência”. Pergunto: sem os rótulos, como posso expressar minha essência?

1 – Como foi a sua descoberta literária, o início dos trabalhos como escritor?

Minha paixão pelos livros começou cedo. Não que houvesse outro estímulo além do meu próprio, o interno. Minha mãe, por exemplo, escondia os livros de mim. Dizia que eu era muito novo para ler o tempo todo. Vivia me contando a história de um senhor que, segundo ela, havia enlouquecido de tanto ler. Mesmo assim, sem medo da loucura, eu lia escondido. Um dia, ao entregar uma redação, o professor olhou para mim e disse: você vai ser escritor. Até então, eu nunca havia pensado sobre isso. Mas depois disso, nunca duvidei das palavras dele. Dali em diante, o processo foi idêntico ao de quase todos os autores. Muitas recusas, publicações sem notoriedade, inúmeras “quase desistências”... Enfim, esse parece ser sempre o caminho.

2 – Jacob, é impossível não perceber, após ler o seu último livro, que você deposita muita esperança na capacidade do Ser Humano. Antes de apostar em buscas externas, peregrinações, você conduz a busca interna da pessoa, fortalecimento e foco interno, coisa rara em qualquer livro considerado de autoajuda. Pode-se dizer então, que Jacob Pétry é um homem que deposita suas esperanças fielmente na humanidade? Um otimista no amanhã?

Eu acredito no lado divino que existe no ser humano. É ali que está todo o encanto, toda a magia da vida. Infelizmente, ao longo dos anos, sofremos uma ruptura com esse lado divino. Essa ruptura faz com que nos sintamos isolados, fragmentados, inseguros e incompletos. É preciso fazer essa reconexão para que possamos nos sentir inteiros outra vez. Para que essa reconexão ocorra, temos que nos desidentificar com nossa mente. Ou seja, aprender a assumir o controle sobre nosso pensamento. Aprender a controlar nosso constante pensar involuntário e compulsivo. Nós não somos nossa mente. Nós não somos nosso pensamento, nós somos aquele que pensa. A mente é uma parte de nós, uma ferramenta à nossa disposição, mas ela tomou conta de nós e nos colocou a seu serviço. Houve uma inversão de papéis que precisa ser corrigida. Esse é o maior problema do ser humano. Eu acredito num ser humano livre dessa compulsão do pensar involuntário. É somente depois de se libertar do pensar compulsivo e involuntário que poderemos agir com o coração, levando em conta nossa divindade.

3 – Como você observa o mercado editorial brasileiro? E como, em sua opinião, o mercado pode influenciar nas descobertas literárias atuais?

Os autores brasileiros têm um estranho hábito de querer produzir obras de grande culto literário. E para se classificar nessa categoria, o livro não pode ser um sucesso de vendas. Compreendendo esse modismo estranho, Isabel Allende, quando esteve em Parati, por exemplo, chegou a pedir desculpas por ser uma campeã de vendas. Isso para mim foi curioso, para não dizer que achei isso uma incoerência fundamentada num arcaísmo medieval. Afinal: qual o sentido de um livro que não vende e que não é lido? Em hipótese alguma estou descartando a importância da qualidade literária, o que estou dizendo é que não se pode ignorar o leitor como uma das razões principais pelas quais se escreve um livro. E que, se quisermos que o leitor leia mais, e se quisermos competir com o mercado estrangeiro, precisamos passar a levar isso em conta.

4 – Aquele velho assunto dos escritores: Estrangeiros X Nacionais. Eles entram aqui, dificilmente entramos lá. Como você vê isso? Sua visão parece perfeita para avaliar com proximidade essa questão.

Qual o país que mais exporta jogadores de futebol para a Europa? O Brasil, certo? Agora, quantos jogadores europeus atuam no Brasil? Se há algum, é caso raro. O mesmo acontece com os escritores. Os Estados Unidos exportam livros porque, da mesma forma como o futebol é uma especialidade brasileira, a literatura é uma especialidade americana. Os Estados Unidos têm uma livraria para cada 15 mil habitantes. O Brasil, uma para cada 70 mil. O americano lê em média 12 livros por ano; o brasileiro, 4,7 (e considere que esse número foi inchado com a inclusão dos livros didáticos, de leitura obrigatória. Desse índice, apenas 0,9 não são didáticos). Além disso, se o livro for bom, não deixará de ser vendido nos Estados Unidos. “O Alquimista”, de Paulo Coelho, é venerado por aqui e não raras vezes, comparado com “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry. A Borders, uma das principais redes de livrarias dos Estados Unidos, oferece a coleção inteira do Paulo Coelho em destaque. Robert McKee, o guru dos maiores screenwriters do mundo, em seu livro e seus cursos usa “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Jorge Amado, como exemplo. Essa história de que outros países fecham a porta para a literatura brasileira é ressentimento baseado em premissas falsas. Nós precisamos assumir responsabilidade pelas nossas deficiências. Infelizmente, literatura não é nosso ponto forte.

5 – Focando em seu livro “O Óbvio que Ignoramos”, qual é o objetivo principal da obra? Aquilo que você aqueceu por dentro e confabulou consigo durante todo o processo?

Imagine o sofrimento do pedreiro sem o trabalho do engenheiro civil. Suponha que ele queira construir um prédio de 12 andares, mas que não possui a planta fornecida pelo engenheiro. Provavelmente, depois de muito desperdício de tempo e dinheiro, esse pedreiro acabaria construindo apenas um andar, ou, quando a construção estivesse pela metade, o prédio tombaria por falhas na estrutura. O mesmo acontece na nossa vida. Todos nós temos sonhos grandes, mas somos como o pedreiro sem a planta fornecida pelo engenheiro. Sonhamos alto, mas acabamos desistindo cedo ou persistimos até nossa estrutura não suportar mais o peso. O objetivo principal do “O Óbvio que Ignoramos” é oferecer um guia utilizado por pessoas que se tornaram bem sucedidas e felizes. Um dos motivos que me levou a escrever o livro foi justamente o fato de que quando eu precisei desse guia, não pude encontrá-lo. Como o pedreiro que para construir seu prédio decide cursar engenharia, eu passei anos pesquisando e estudando os princípios que compilei no livro.

6 – Você já ignorou o óbvio?

Adotar o óbvio é um exercício diário e para a vida inteira. A questão, porém, não é jamais ignorá-lo, mas ter consciência de que o senso-comum, nem sempre é prática comum. Ou seja, nem tudo que se sabe, se faz. Mas para mim, é fácil perceber que já consegui avançar bastante em alguns pontos, como o fato de investir nos meus pontos fortes; libertar-me da síndrome do excesso de oportunidades e manter o foco na Lei da Tripla Convergência. Tenho, no entanto, sérias dificuldades com outros pontos, como a minha libertação do meu eu abstrato (o tão pernicioso boneco de opiniões). Outro ponto onde preciso melhorar é o que chamo no livro de “Efeito Pigmaleão”. Esses dois pontos são cruciais, mas notavelmente meus maiores desafios. Fico feliz, porém, por ter o livro como guia. Seguir minhas próprias instruções tem me ajudado muito. Há algumas semanas, por exemplo, por uma atitude boba, infantil, me vi envolvido numa situação muito desconfortável, emocionalmente frustrante. Precisava encontrar uma solução eficaz e rápida. Passei uma noite pensando sem chegar a uma conclusão convincente. Depois de cochilar por algumas horas, acordei com uma passagem do Capítulo 8 em mente, onde mostro como as pessoas bem-sucedidas agem diante do erro. Segui minha própria instrução: admiti o erro e fiz um sincero pedido de desculpas e a situação estava resolvida.

7 – Onde o Brasil, país de dimensões continentais, pode estar ignorando o óbvio?

O Brasil está mudando, está crescendo, está tomando consciência de si. Mas sim, ainda ignoramos o óbvio. Precisamos aprender a parar de reclamar, de culpar os outros pelas nossas circunstâncias. Precisamos assumir a responsabilidade pela nossa dependência externa, pela nossa desigualdade social, pelos nossos problemas educacionais. Não é culpa da União Europeia, dos Estados Unidos ou da China que 70 milhões de brasileiros nunca leram um livro ao longo da vida. Também não é culpa dos outros que nossas lideranças tenham a tradição de uma crônica falta de integridade.

8 – Em minha modesta opinião, seu trunfo maior nesse livro é a não didática programada, as histórias excelentes que conduzem o leitor ao entendimento pleno, a fluidez das teorias sem nenhum cansaço. Nada técnico demais, tudo vivo e real, concreto! Quanto tempo você demorou em concluir as pesquisas desse trabalho? E como foi que tomou conhecimento dessas histórias de superação e foco excepcionais?

Sou adepto da teoria de que aprender deve ser fácil, divertido e apaixonante. Para que isso seja possível, é preciso existir uma curiosidade natural pelo assunto. Sem esses fatores, o aprendizado estará comprometido. Tudo que é complicado e enfadonho ou está deslocado da nossa área de habilidade ou é resultado de alguém com esse problema. Tornar-se um expert em qualquer atividade exige persistência. Para resistir à tentação de relaxar, precisamos de combustível, e não há combustão melhor que a paixão e a curiosidade. Por isso nossos resultados na vida dependem muito mais do fato de desenvolvermos nossas habilidades do que da nossa inteligência.

É difícil dizer quanto tempo levei para concluir as pesquisas desse trabalho. A aprendizagem é um processo de uma vida inteira e, em cada trabalho, você vai avançando. Porém, o que facilitou muito minha pesquisa foi o convívio muito próximo, de quase duas décadas, com Valdir Bündchen, o pai da Gisele. Sem dúvida esse convívio produziu a espinha dorsal desse livro. As outras histórias eu fui coletando ao longo dos anos. Eu não desejo créditos pela autoria de nenhum princípio ou conceito que está no livro. Todos eles já foram publicados anteriormente e, por isso, os chamo de óbvios. Tudo que fiz foi apresentá-los de uma maneira distinta para mostrar como esses princípios óbvios, quando aplicados, fazem toda diferença nos resultados.


9 – O que é filosofar a vida em 2010 para Jacob Pétry?

É descomplicar a vida e mergulhar nas profundezas do simples em todas as formas possíveis.

10 – O seu livro fala muito dos desafios e barreiras no início da carreira de algumas celebridades de sucesso, até mesmo de Einstein, e por vezes fala de Gisele Bündchen e seus obstáculos enfrentados como modelo. Em algum momento você temeu que as histórias de celebridades como Gisele e Silvester Stallone diminuíssem o fator intelectual da obra, aos olhos dos próprios intelectuais?

Intelectual, num termo bem simples, é aquele que produz pensamento. A produção de qualquer pensamento só tem importância quando contribui de uma forma ou de outra para a construção do bem-estar social da humanidade. Essa contribuição, pela sua própria definição, traz em si, como fim último, a felicidade do indivíduo. Nesse sentido, um bom ponto de partida para compreender a felicidade é estudar o comportamento de pessoas que conseguiram alcançar esse fim em todos (ou pelo menos quase todos) os estágios da vida. Nesse sentido, meu estudo se refere especificamente ao caráter individual das personagens que cito, e não a sua posição social. Pretender reduzir a importância de uma obra por ela analisar a vida de Gisele Bündchen ou de Sylvester Stallone, ao invés de uma Gertrude Stein ou de um James Joyce, seria preconceito e, portanto, prejudicial. Afinal, nesses tempos rápidos e virtuais, quem ainda tem paciência para ler livros como “Finnicius Revém”? E que utilidade essa leitura, por ser incompreensível, teria? É lamentável o fato de ainda não termos nos libertado do paradigma de que o fruto do trabalho intelectual deve ser complicado, difícil, incompreensível. Está na hora de nos livrarmos desse conceito que vem de um complexo de inferioridade criado por pseudointelectuais, que, para se protegerem, contagiaram o mundo acadêmico com a seguinte fórmula: “Se eu, o aluno, não entendo o texto, é porque ele deve ser profundo”. Isso é um absurdo. Se a compreensão é descartada da produção do pensamento, que utilidade terá esse pensamento?

11 – Outro ponto memorável do seu livro é a questão da máscara social, do personagem novo que criamos e não conseguimos manter sempre, a armadura de convívio construída para agrado dos outros. Acredita que muitas pessoas vivem um personagem erguido em bases fracas de suposta necessidade? Uma vida de mentiras? Quantas “pessoas de mentira” poderiam estar em nosso convívio diário?!

Toda vez que tentamos causar uma impressão, estamos usando uma imagem falsa de nós. Criamos essa imagem falsa porque no fundo acreditamos que quem nós realmente somos não é bom o suficiente; por isso, precisamos representar, causar uma impressão para além do que somos. Essa impressão varia, se adequando às nossas aparentes necessidades. Essa imagem falsa é construída através do monólogo inconstante que temos na nossa mente e que não percebemos como sendo algo anormal. Através do pensar involuntário e constante, criamos um eu à parte, formado de opiniões e conceitos a nosso respeito. Essa imagem nos isola do nosso ser autêntico, e esse isolamento cria um sentimento de medo e insegurança, porque, no íntimo, sabemos que a imagem que criamos não é real. Com o passar do tempo, esse “falso eu” se torna a única imagem que temos sobre nós. Aos poucos, esse pensar involuntário que cria o “falso eu” torna-se nosso próprio inimigo, punindo-nos pela nossa falta de autenticidade e condenando-nos pela nossa insegurança, isolamento e as frustrações decorrentes disso. E como o “falso eu” é feito de opiniões, qualquer opinião afeta sua estrutura, o que nos torna extremamente vulneráveis. Qualquer crítica ou opinião negativa feita a nosso respeito, cria uma forte noção de aniquilamento, de destruição. É preciso tomar consciência desse processo para poder libertar-se dele; por isso, dediquei um capítulo inteiro do livro a esse assunto.

12 – O que podemos esperar de seus trabalhos para os próximos anos? Algum projeto pronto ou em andamento?

Estou trabalhando num livro que pretendo concluir ainda no primeiro semestre de 2011 e que aborda de uma maneira bem simples e compreensível como essa imagem abstrata que criamos sobre nós afeta nossas escolhas e, consequentemente, os resultados em nossa vida.


13 – Papo bem ligeiro em cinco tempos:
Um livro de cabeceira: Os ensaios, Michel de Montaigne
Uma música inesquecível: Proudest Monkey – Dave Matthews Band
Um filme: Lendas da Paixão
Um sonho: Bora-Bora
Um autor ícone: Nassim Nicholas Taleb

14 – Muito obrigado por conceder essa entrevista ao Paquidermes Culturais. Deixo esse espaço livre para uma frase final, e um recado para todos os seus leitores.

Se eu pudesse tomar uma decisão por cada leitor, eu decidiria comprar “O Óbvio que Ignoramos” e o leria duas ou três vezes. Falo isso porque, apesar de tê-lo escrito, o releio mensalmente. Afinal, o cuidado da alma pertence a cada um. Obrigado a você, Allan, pela oportunidade e aos leitores pela paciência e confiança.


(Nós é que agradecemos, Jacob!)


Jacob Pétry é brasileiro radicado nos Estados Unidos. É autor dos livros O céu é de pedra, Ilusões Rebeldes, As Gêmeas, O enigma da mudança, (este em co-autoria com o sociólogo Valdir Bündchen), e O óbvio que ignoramos.
www.jacobpetry.com

3 comentários:

  1. Adorei a entrevista!!!
    Achei muito interessante o comentário do autor sobre o mercado editorial brasileiro "Afinal: qual o sentido de um livro que não vende e que não é lido?". Encontro muitas pessoas que só lêem os clássicos e poucas obras de contemporâneos, afirmando que não são pessoas de para-literatura... um absurdo completo (na minha humilde opinião). Mais de uma vez, já afirmei para essas pessoas que Jane Austen e Bran Stoker, que hoje são considerados autores clássicos, também escreveram esse estilo de história no seu tempo... Preconceito, de qualquer forma, é sempre abominável...
    E uma das coisas mais tristes que eu li na entrevista, embora seja completamente verdade, foi "literatura não é nosso ponto forte.". Isso me deixa triste, precisa ser mudado.

    E ao terminar de ler o texto, eu só fiquei com uma dúvida: o autor escreve em português ou em inglês?

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  2. Oi Nanie, bom te ver comentando por aqui. Na verdade, Jacob escreve em seu idioma natural (português) e no idioma inglês, já que vive e trabalha nos EUA.

    A entrevista valeu muito por essa visão de fora do eixo, são opiniões presentes e abertas, gostei muito.

    E concordo com tudo que você disse, minha amiga!

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  3. Nossa, não tinha visto esta entrevista!!!

    REalmente, ótima Allan!!!!

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Este blog surgiu após inúmeras recomendações, broncas, cascudos e beliscões de conhecidos. Aqui está, enfim, um espaço próprio para o escritor Allan Pitz publicar suas "Patavinices", seus textos, seus livros, e tudo o mais que o tempo for lhe guiando e desenvolvendo.

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