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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Paquidermes Culturais entrevista: Jana Lauxen


Abram alas, amigos paquidérmicos! Deixemos entrar no blog os hipopótamos festeiros e os elefantes ordinários vindos do Sul, berrando suas idéias todas de uma só vez! Estendo hoje, na savana dos meus livros e pensares, um imenso tapete vermelho para receber a formidável Jana Lauxen (autora do livro Uma Carta por Benjamin); uma das escritoras mais interessantes que tive o prazer de ler ultimamente! E que, sem dúvida alguma, já conquistou seu espaço cativo entre os grandes escritores de agora. E de sempre.

Confiram a entrevista!


Pergunta à parte: Quem é Jana Lauxen?

Eu sou uma pessoa do bem. Errante, porém do bem.

1 - Flashback obrigatório: Como surgiu a escritora que você é hoje? E o que a motivou, definitivamente, para seguir firme na carreira literária?

Eu tinha uns 18 anos quando decidi escrever meu primeiro livro, e foi a partir desta experiência que peguei gosto pela coisa. Antes eu achava que queria ser desenhista, e quando era criança cheguei a manter, durante anos – sim, anos! – uma revista em quadrinhos que criei com meu primo Leandro, chamada Gatos Contra Atacam. Eu fazia tudo a mão, tirava xerox e vendia para parentes por preços superfaturados, rara. Era divertido.

Mas se eu precisar citar exatamente quando foi que surgiu meu desejo de tornar-me escritora, posso dizer seguramente que foi depois de escrever este livro, cujo título é Flores no Deserto e possui inacreditáveis 280 páginas.
Não sei dizer o que mais me motivou para seguir firme e forte na carreira literária, mas honestamente acho que nada.

Não precisamos de motivação para fazer o que gostamos, como, por exemplo, comer uma travessa de brigadeiros. Escrever, para mim, é como comer uma travessa de brigadeiros, e eu comeria uma travessa de brigadeiros mesmo que ninguém se importasse com isso.

No entanto, meus pais sempre permitiram (e, além disso, incentivaram) que eu investisse naquilo que eu gostava de fazer. Isso foi, sem dúvidas, imprescindível. Eles nunca encheram meu saco para ‘arrumar um emprego de verdade’ e etc, como tanto vejo acontecer por aí. Isso pode matar o cara! O mundo pode perder um grande escritor apenas porque um pai e uma mãe não tiveram competência suficiente para entender que seu filho quer escrever ao invés de ‘tocar as empresas do pai’.
Os meus pais não mataram a escritora que eu queria ser, e serei eternamente grata a eles por isso.

2 - Jana, seu livro Uma Carta Por Benjamin é realmente fantástico (devorado por mim em três horas de compulsão). Sinceramente, eu guardo um carinho mais que especial por protagonistas interessantes, e que são assim sem forçarem grandes movimentos para se mostrarem assim; como Henry Chinaski, por exemplo. Simples dentro do cenário. Fascinantes fora dele. Poderíamos dizer então que Benjamin é um Loser, um anti-herói que amamos por identificação natural? E você, como escritora, tem carinho pelos personagens que, à primeira vista, não passam de sujeitos comuns ou “perdedores natos”?

Muito carinho, especialmente pelos comuns. O comum é fantástico, e ali residem boas histórias. Histórias que, na maioria das vezes, são sumariamente ignoradas por leitores e escritores, que de regra optam por envolver numa mítica teatralmente trabalhada seus personagens - o que é legal, mas nem sempre reflete a realidade.
Perceba que muitos livros apresentam seus protagonistas como comuns ou perdedores, mas geralmente são personagens emblemáticos, dubiamente atraentes; perdedores que optaram por serem perdedores; que escolheram escapulir de tudo o que a sociedade convencionasse, e por isto são mais interessantes do que, de fato, fracassados. Até porque, se você se orgulha do fracasso, ele deixa de ser fracasso e se torna uma medalha, correto?

E por isso discordo quando você compara Benjamin com Henry, personagem do grande Bukowski. Henry é um bêbado sensacional que anda com putas pela noite enquanto usa drogas, faz sexo e envolve-se em transgressões dos mais variados tipos. Ele é um anti-herói, e muita gente não apenas se identifica como gostaria de ser como ele. Sua vida, por mais suja e politicamente incorreta que seja, é muito, muito fascinante.

Benjamin, não. Nem para anti-herói ele serve, porque ninguém quer ser como ele, ninguém deseja levar a vida dele. Ele é chato, azedo, acomodado, não usa drogas, não bebe, não anda com putas, não faz nada que possa despertar o menor interesse em qualquer pessoa. Apenas vive dentro da lei e do seu apartamentinho, envolvido em problemas idiotas ao lado de uma empregada com a qual nem conversa. E seria para sempre um completo inútil para a literatura se a vida não o tivesse obrigado a fazer alguma coisa por ela – e inverter toda a história.

Muitos leitores já me disseram que se identificaram com o Benjamin – mas talvez só tenham assumido isto porque Benjamin, lá pelas tantas, deixa de ser apenas mais uma pessoa comum na multidão para ganhar status de herói. É neste ponto que ele se torna interessante, e as pessoas passam a se identificar. Porque, a bem da verdade, nos identificamos mais com aquilo que gostaríamos de ser do que, de fato, com aquilo que somos.

Se Benjamin tivesse permanecido no seu apartamento com a sua empregada comendo pão com margarina, possivelmente todo mundo preferisse continuar acreditando que é mais parecido com o Henry ou com qualquer outro protagonista mais apimentado, do que com um chato sem sal como o Benjamin.
Porque a grande maioria das pessoas é Benjamin e não Henry – mesmo que se esforcem para parecer o contrário.

3 - O que seria um ‘excelente livro’, em sua opinião?

Aquele que não consigo parar de ler.
Os motivos podem ser os mais variados, mas o livro precisa me pegar de jeito, me prender e nunca mais soltar. Preciso pensar: não posso viver mais um segundo da minha vida sem saber o que vai acontecer nesta história.
E quando o livro se aproxima do final você freia sua leitura que, até então, era frenética, porque não quer que ele termine nunca mais.

4 - Observando através de sua experiência pessoal: como está o cenário dos livros e escritores no Brasil? Ordem e progressos?

O cenário dos livros, na minha opinião, está bem bom. Apesar de todo mundo continuar reclamando sem parar que o brasileiro não lê e etc, nunca se vendeu e se leu tantos livros neste país.

Concordo que poderia estar melhor, e que, de fato, uma parcela absurda da população sequer sabe ler, mas comparando com o passado, penso que estamos progredindo.
E como existem mais pessoas lendo, naturalmente existem mais pessoas escrevendo, e então chegamos ao ponto X da questão: entre os novos escritores - sejam eles consagrados ou não - creio que existe uma fatia graúda de autores medianos, que escrevem bem, mas não trazem nada de novo. Você lê o livro do sujeito e fica com aquela impressão de dejávu.

Temos também um número razoável de autores ruins, mas que possuem bons contatos, quando não possuem bons padrinhos, e por isso estão sendo publicados.
E existe uma minoria excepcional, que trabalha sua literatura de um jeito inédito, atraente, original, para além do lugar-comum.

A boa notícia é que existe espaço para todos.

"Os meus pais não mataram a escritora que eu queria ser, e serei eternamente grata a eles por isso."




5 - Voltando ao seu excelente livro, gostaria de destacar essa parte: “A vida de Benjamin era uma vida comum. Como é a vida de quase todo mundo.”
Mas nessa vida tão comum do protagonista acontecem fatos incríveis, o herói somos nós, o cenário é a porta de sua casa, a calçada de sempre, o amigo abandonado, o vizinho, a placa banal que vemos todas as manhãs! De onde veio a inspiração de transformar o “simples” em algo tão sensível, mágico e envolvente? Acredita no jargão do Luxo no Lixo?


Eu não creio que transformei o simples em algo especial, porque o especial está, esteve e sempre estará justamente no simples. Isso é super clichê, e eu sei, mas não passa da mais pura verdade – como quase todos os clichês.

Eu acho que vivemos uma época demasiadamente deslumbrada, e a internet colabora muito para isso. Basta acessar as muitas redes sociais onde estão conectadas todas as pessoas do planeta: todo mundo é bonito e feliz e se sente muito confortável sendo quem é o tempo inteiro. Na realidade não é bem assim, todo mundo sabe que não é bem assim, mas todo mundo continua pintando de si a imagem que gostaria de ter, e não necessariamente a imagem que tem. Inclusive eu e você.
O problema é que a vida é aquilo que acontece enquanto a gente tenta sair bem nas fotos que vamos postar no facebook.

Veja você que a vida de Benjamin mudou, mas mudou em que sentido? Não exatamente naquele no qual todo mundo parece acreditar que se encontra a felicidade – geralmente na frente dos holofotes. Tanto que Benjamin fez tudo o que fez e ninguém – eu disse NINGUÉM – ficou sabendo.

Em dias de deslumbramento, ninguém faz nada que não possa ser reconhecido pelos outros. É aquela velha história: de que vale ter uma Ferrari se ninguém souber que você tem uma Ferrari?

Se não rolar confete na cabeça, parece que não vale à pena. E isto, para mim, é colocar o lixo na estante e o luxo na privada. E dar a descarga.

6 - Você é o tipo de pessoa que: o lugar é aqui e a hora é agora? Ou prefere tocar o barco da vida com mais calma, ponderar até amadurecer as idéias?

Eu sei - e creio que todo mundo também saiba - que o correto é tocar o barco da vida com cautela e cuidado. No entanto eu faço - e creio que todo mundo também faça - exatamente o contrário.

Eu procuro me guiar pela razão e pela prudência, mas na prática acaba sendo aqui e agora e de qualquer jeito. Tem horas que dá certo, e tem horas que não dá. Mas acho que isso passa, e com o tempo vamos aprendendo a pisar no freio, parar e respirar antes de fazer qualquer outra coisa.
Pelo menos é isso que eu espero que aconteça, pelo bem do povo e felicidade geral da nação.

7 - O que seria, digamos, um pé no “saco literário” para Jana Lauxen?

Autores que escrevem difícil para parecerem inteligentes e mascarar sua completa falta do que dizer.

8 - Nos dias de hoje, a maioria dos escritores não consegue se dedicar inteiramente aos trabalhos de escritor, por motivos lógicos de sobrevivência. Isso pode ser um desencorajamento aos mais pobres que possuem vocação literária? Saber que as pessoas mais estudiosas (pensadores), que se dedicam a nutrir as mentes de informações, não conseguem, por vezes, nutrir seu próprio estômago... Não seria um convite para que as elites abastadas assumam definitivamente o posto de pensadores nacionais?


Verdade. E é impossível fazer qualquer coisa antes de nutrir o estômago e pagar o aluguel.

O fato é que ter dinheiro nunca atrapalhou ninguém, muito pelo contrário, e é evidente que sempre trará mais facilidades na hora de se assumir qualquer tipo de status social.

Porém, não acredito que isto possa desencorajar algum aspirante a escritor financeiramente prejudicado, pelo menos não se ele gostar realmente de escrever. Quando perguntam sobre a minha profissão, tenho até vergonha de dizer que sou escritora, porque escrever, para mim, não é trabalho, não é profissão; é prazer, é divertimento.

Possivelmente o escritor não viverá só de literatura, e por isso terá de arrumar um emprego, e é inegável que dividir a escrita com qualquer outra ocupação que lhe tome 8 horas por dia, ou mais, é desgastante e certamente criará muitos empecilhos. Mas não impedirá que ninguém faça o que gosta e o que quer fazer.

9 - O que parece contar mais para os leitores de agora: o livro ou a imagem do escritor para vender o livro?

A imagem do escritor sempre contará mais do que aquilo que ele produzir. Na verdade, como disse acima, em época de deslumbre a forma sobrepõe o conteúdo, e nisso incluo a literatura. Tanto que vejo muitos escritores mais preocupados em construir e aperfeiçoar sua imagem do que em construir e aperfeiçoar seu texto.

10 - O Universo recebe agora uma carta por Jana Lauxen. O que poderia estar escrito nela?

Prezado Universo:
Oi.
Seja mais generoso na hora de conspirar.

Beijo, Jana.

11 - O que os leitores podem esperar dos seus próximos trabalhos? Algo de novo para acontecer em breve?

Sim. Terminei de escrever o que será meu próximo livro. Agora começa realmente o trabalho, que é revisar e cortar e reler e achar que está um lixo e pensar em desistir e chorar e revisar e reler e etc. Se chama O Túmulo do Ladrão, e pretendo lançar ano que vem.

Fora isso, continuo batendo cartão na Café Espacial e na revista eletrônica Zena, e em breve estrearei uma coluna no site do jornal Diário da Manhã.

Ah. E no meu blogue, onde continuo positiva e operante.



12 - Papo bem ligeiro em cinco tempos:
Um livro de cabeceira: O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec
Uma música inesquecível: Angel – Jimi Hendrix
Um filme: Depende. Para rir ou chorar?
Um sonho: Liberdade. Nunca a teremos plenamente, na verdade.
Um autor ícone: Luis Fernando Veríssimo

13 - Agradeço por ter aceitado o meu convite. Deixo esse espaço livre para você:

Sou eu quem agradece, querido Allan.
O espaço, a divulgação e, principalmente, a oportunidade de conhecê-lo.
E já que me deixou este espaço livre, vou encerrar esta entrevista com uma frase que eu costumo escrever por aí sempre que surge uma oportunidade, e cuja autoria é de um sujeito chamado Fernando Pessoa: a literatura é a melhor maneira de ignorar a vida.
Portanto, leiamos.

Links para Jana Lauxen:

- Meu blog: http://janalauxen.blogspot.com

- Primeiro capítulo do livro Uma Carta por Benjamin: http://janalauxen.blogspot.com/2009/04/uma-carta-por-benjamin-1-capitulo.html

- Revista Café Espacial: http://www.cafeespacial.wordpress.com

- Revista Zena: http://revistazena.com.br

- Jornal Diário da Manhã: http://www.diariodamanha.com.br


Jana Lauxen é publicitária e escritora, autora do livro Uma Carta por Benjamin (Ed. Multifoco, 2009, 136 páginas, R$28). Trabalhou como editora do Selo Literarte (Ed. Multifoco) e organizou, ao lado de outros escritores, as coletâneas Assassinos S/A (contos policiais, com Frodo Oliveira), Crônico! (crônicas brasileiras, com Beto Canales), Quadrinhos em História (HQs, com Sergio Chaves) e Literatura Futebol Clube (contos, crônicas e poesias sobre futebol, com Jovino Machado).
É colunista da revista independente Café Espacial, do jornal Diário da Manhã e da revista Zena.
Publicou a historieta Pela Honra de Meu Pai, pela Mojo Books, inspirada na banda Pata de Elefante. Foi editora da versão brasileira da revista eletrônica inglesa 3:AM Magazine, e também uma das idealizadoras do projeto E-Blogue.com (in memorian). Participou de mais de 10 coletâneas, sendo a mais recente Galeria do Sobrenatural, da Terracota Editora.

2 comentários:

  1. Adorei a entrevista!!! Ficou excelente =) A autora é muito divertida e seu livro parece ótimo!!! Vou procurar saber um pouco mais da obra ^^

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  2. A Jana Lauxen é sensacional, vocês ainda ouvirão muito esse nome. o livro dela entrou nos meus dez mais. Vale procurar, Nanie.
    Cinco estrelas!

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Este blog surgiu após inúmeras recomendações, broncas, cascudos e beliscões de conhecidos. Aqui está, enfim, um espaço próprio para o escritor Allan Pitz publicar suas "Patavinices", seus textos, seus livros, e tudo o mais que o tempo for lhe guiando e desenvolvendo.

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