Qual a cor? Qual o estilo?
Sabe quando as pessoas te taxam pelo que você apresenta? Corte de
cabelo, cor da pele e tudo mais? Ok, tudo bem, todo mundo faz isso, mas
em silêncio!
Se tem uma ideia e não conhece a pessoa, não vejo por que ir lá dizer!
Uma amiga minha, muito branca, enquanto andava pela rua, foi parada por
um IDOSO que apertou sua bochecha e disse: - Nossa, que menina branca!
Deve ter o bico
do peito rosinha! - Ela ficou sem reação, apenas
voltou a andar! Isso é coisa que se diga a uma desconhecida? Claro que,
neste caso, acredito que ele era um vovô tarado!
Semana passada um "empresário" queria que eu cantasse numa banda de
samba-rock por que eu tenho todo o perfil. Respirei fundo e respondi: -
A essa altura do campeonato você me vem com essa de clichê! Ahhh fala
sério! - Mas ele insistiu que eu tinha o perfil, mesmo eu dizendo que
minha parada era outra.
Synthpop, rock eletrônico e parecidos.
Se eu já tive banda? Sim e,
agora, quem sabe, volto a montar um trabalho com uma galera aí :-) Mas
ainda é cedo pra falar qualquer coisa.
Mas, na boa. Só por que sou
negro/moreno/pardo/sei-lá-o-quê-menos-branco e cabeludo eu tenho de
sambar, jogar capoeira, cantar samba-rock e etc? Ok, adoro tudo isso
(Menos o samba-rock, que gosto um pouco)
No ano passado, na fila pro ingresso dos The Cranberries, o cara que
estava atrás de mim, também negro, sabe-se lá por quê, começa a
conversar comigo e de repente solta a infeliz pergunta:
- Vai ao show do Sorriso Maroto?
Olhei para ele e, sem nenhuma alteração, respondi: - Nem todo mundo que é
de cor escuta pagode! Vim comprar o ingresso pra pista VIP pro show da
banda irlandesa The Cranberries.
Ele, com cara de isopor colorido, soltou um ahnn, seguido de - não conheço. (Não sei por que mas isso não me surpreendeu)
Gente sem-noção é foda.
Na praia, desde quando deixei meu cabelo
crescer, escuto com certa frequência a pergunta: - Você tem seda? (Pra
quem não sabe é o papel usado pra fazer o cigarro de maconha).
Eu respondo não, por que realmente não fumo (E nada contra quem faz!)
- Mas como assim? Com um cabelo desses e você não fuma?
- Uai, quem tem que fumar sou eu, e não meu cabelo. Não acha?
Outra
vez, participando de uma filmagem onde parte da equipe era americana,
não tive problemas em conversar, em inglês, com os atores durante a
filmagem.
Daí um figurante gago, com aquela cara de quem foi atropelado e não
entendeu nada me puxa e diz: - Você fala inglês? Que maneiro!
Em pensamento respondi: - Não, eu cavalgo cachorros portadores de raiva! - Mas na realidade apenas
disse sim. Ele, ainda não satisfeito, continuou:
- Legal,
dificilmente quem não é ator principal fala inglês. (Você entendeu? Nem
eu!) Mudei o rumo da conversa antes que piorasse.
Quando estava
fazendo figuração noutro trabalho onde somente parte da equipe era
americana e estava conversando, em inglês, com um dos produtores, ouvi
coisa semelhante de outro figurante: - Você fala inglês! É difícil
conhecer figurantes que falam inglês.
Dessa vez não consegui dizer apenas um sim. - Imagino, mas este não é meu trabalho oficial e sim um bico.
Tentei
permanecer amigável mas o cara demorou três minutos pra formular a
seguinte pergunta, diante de uma folha com poucos dizeres e uma única
linha:
- Onde assino? -
Fingi que não escutei e me afastei.
A partir do momento que deixei o cabelo crescer, foi como se minha
cor aparecesse pro mundo. E isso é uma doideira pra mim! QUando usava
corte de cabelo máquina 03 (quase rente ao couro), não ouvia NADA dessas
coisas. Mas quando deixei os cachos tomarem conta, e por eles me
apaixonei, a coisa toda se transformou.
Era como se, até então, eu não fosse branco e só. Com o cabelo, a cor tomou proporções gigantescas.
Pra
uns eu sou moreno, pra outros, negro de traços finos. Pra outros, 100%
negro e tenho de carregar isso não importa onde, quando e diante de
quem, além de sofrer dignamente por tal comportamento.
Todas as vezes que me mandaram pra preencher o perfil de negro na
televisão, fui barrado. Mesmo figuração, daquelas que você não aparece
de tão la trás que te colocam.
Até mesmo da ala de negros no carnaval já me tiraram (E a maiora dos negros concordaram, diga-se de passagem).
Os negros militantes me consideram negro, as mídias não, as pessoas, a
maioria não. Eu? Na boa, sei lá! Com tanta coisa legal pra fazer vou me
preocupar com qual minha cor exata?
Um dia prometo ir numa loja de tintas, pegar a palheta de cores e, achando a minha, divulgarei (rsss).
Agora, ser negro não é mais suficiente. Tem de definir cada parte. Sou
negro, mas não negão, sou negro, um pouco mais que moreno, mas negro
como meu amigo, ele é
mais negro por causa do cabelo. Você é um negro de traços finos, cabelos cacheados, não são crespos.
Quando me apresento, eu sou o Gerson e com isso vem todo o resto.
Pra
mim tanto faz o nome da cor que carrego. Eu a adoro, a intensifico no
sol e ponto. Pouco importa se a denominação é moreno, negro, pardo,
moreno-jambo ou furta-cor (rsss).
E a certeza de que esse discurso está um tanto quanto estranho está no seguinte exemplo:
Se você usa uma camisa escrita 100% negro, é considerado atitude. Agora,
se usar 100% branco, você é linchado! Se existe 100% um, por que não
pode existir o 100% outro, mesmo este sendo maioria? Que me desculpem os
militantes mas, não entendo se é pra sermos iguais ou inverter as
posições.
Quando me vejo nessas dicussões, minha resposta é sempre a mesma: Sou o
Gerson. Se você quer nomear exatamente cada pedaço daquilo que me
compõe, fique à vontade. Enquanto isso eu vou à praia.
Mas eu consigo
tirar "proveito" dessa situação. Ninguém tenta me assaltar. Já
presenciei pessoas atravessando a rua quando se deparam comigo à noite.
É escroto mas, já que é, não me faço de rogado e aproveito. Achou que
sou assaltante? Ahahaha atravessa a rua e se fode indo pelo caminho
errado!
Você pode até achar isso escroto ou soando meio que "não quero tomar
partido". Pode soar fantasioso ou distante da SUA realidade. Mas é o que
a vida a mim apresenta. Apenas um relato, não um convite para viver
minha vida.
Gerson
Couto
é um Santista criado em Minas Gerais e atualmente mora no Rio de
Janeiro. Formado em Dança pela UFRJ, dedica-se exclusivamente às artes e
a transformar
seus sonhos em realidade. Em julho lançará seu segundo livro, 3355
Situações Que Você Deve Saber Para Não Morrer Como nos Filmes de Terror.