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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma Carta por Benjamin - Jana Lauxen



Meu amigo Benjamin - Por Sônia de Matos

Uma Carta por Benjamin
, livro de estreia da escritora gaúcha Jana Lauxen, caiu em minhas mãos de maneira despretensiosa.
Foi deixado em cima da mesa da minha sala, depois que minha irmã mais velha terminou de lê-lo, dizendo ser ‘muito legal’.
Como não estava em meus planos vir a lê-lo, simplesmente ignorei.
No entanto, naquela noite, como em tantas outras noites, perdi o sono; em compensação, ganhei umas boas três horas na companhia de Benjamin, o protagonista de Jana.
Pois, sem ter o que fazer, peguei o livro, li a contracapa, folheei algumas páginas, fui seduzida pelo primeiro capítulo e, quando dei por mim, já havia passado da metade.
A história, do sujeitinho lugar-comum que passa a receber cartas de uma completa desconhecida, envolve de uma maneira pouco convencional, sem apelar para clichês e ganchos que, na verdade, não passam de truques para prender o leitor desavisado.
A história é verdadeiramente interessante.
E por mais que, em diversos momentos, possamos nos identificar com o personagem, é a sua história e a trama na qual submerge que faz você aproximar-se tanto de Benjamin.
A leitura é leve, mas não vazia. Apesar da linguagem absolutamente coloquial e simples da autora – capaz de agradar gregos & troianos – nada falta em conteúdo e engenhosidade.
Leitura que faz esquecer o mundo todo a sua volta, e mergulhar de cabeça em outro universo, o universo de Benjamin, o universo de Jana, e de suas histórias mirabolantes mas que, no fundo, são completamente cabíveis. Cabíveis até demais.
Jana reuniu em seu livro de estreia, e com extrema maestria, a improbabilidade da vida, dos acontecimentos, das pessoas que vivem ao nosso lado, e também dentro de nós. E o quanto esta improbabilidade deixa de ser improvável quando acontece.
É este o momento que vive o protagonista.
A hora H em que ele percebe que o mundo, as pessoas e ele próprio não estão pré-definidos nem ordenados, nem seguem nenhuma lógica racional.
O mundo e todas as coisas que vivem dentro dele não são monótonos, nem previsíveis, ao contrário do que ele imaginou (e nós também?) a vida inteira.
Gostei, gostei do Benjamin.
Gostei da autora, e gostei da maneira suave como ela me conquistou.
Impressiona, talvez, a pouca idade – pelo que sei ainda não tem 25 - mas nada, absolutamente nada deixa a desejar no que tange seu talento e sua incrível capacidade de nos sugar para dentro de seu mundo.
Leia Uma Carta por Benjamin.
Mais de uma vez, de preferência.
Além da vida e dos outros, até os carteiros você vai passar a ver com outros olhos.

Sônia de Matos é jornalista por obrigação, bailarina por opção, canhota por destino e leitora compulsiva por puro e genuíno amor.
Contato com a autora: soninhadematos@gmail.com



CAPÍTULO 1
Uma Carta por Benjamin
“Não existe Deus senão o homem”
( Aleister Crowley – O Livro da Lei)

1.

— Uma carta?
— Uma carta.
— Mas quem é que manda cartas, hoje em dia?
— Ah, eu achei romântico.

Benjamin caminhou até a mesa da cozinha e pegou o envelope pardo, seu nome e endereço digitados em uma máquina de escrever.
Riu, debochando.
— Aposto que o remetente anota seus recados em um pergaminho.
Ofélia não entendeu o que Benjamin quis dizer. De qualquer maneira, não era paga para entender nada. Só sabia que, uma vez por semana, deveria ir até o apertado apartamento de Benjamin, limpar a casa, recolher as cuecas, tentar tirar os grudes de cima das mesas e as bitucas de cigarro do chão. Também devia dar uma organizada em seu ainda mais minúsculo escritório, que chamava de agência de publicidade, mas era na verdade uma fábrica de panfletos vagabundos de mini mercados e motéis baratos.
Benjamin sequer notou o pouco caso da diarista. Afastou do sofá alguns pacotes de salgadinhos, uns vazios, uns ainda cheios, e espalhou migalhas pelo chão.
Não se importou.

Querido Benjamin,

Tenho tido pesadelos.
Sei que estou afastada de ti há muito tempo, como também sei que esta carta pode até te surpreender, mas quando parei para pensar sobre minha vida – minha miserável vida — a única pessoa que me veio à cabeça foi você.
Não gosto de pensar sobre tudo que já aconteceu, e ainda hoje acontece.
Não gosto porque me faz sofrer.
Agonia—me não ter ouvido os teus conselhos, não ter seguido o teu exemplo e hoje, imaginando a imensa alegria que seria poder te dar um abraço, te pagar um vinho, sentar contigo em um bar e jogar conversa fora, penso que nada valeu a pena.
Não valeu de nada a ideologia, como também nada valeu minha ambição desenfreada e cretina, que me colocou exatamente onde agora estou.
Toda noite, os pesadelos.
Reais, sinistros, perturbadores.
Acordo e eles continuam.
Porque me lembro de cada mínimo detalhe, Benjamin, e você sabe como sou detalhista.
Espero em breve te rever.
Saudades,
Madalena

Quando terminou, voltou ao início e leu novamente.
Depois mais uma vez, e outra, e somente na quinta vez balbuciou:
— Mas que porra é essa?
Ofélia nem interrompeu sua canção, distraída tentando lavar a louça, imunda e numerosa.
Encafifou—se.
Não conhecia nenhuma Madalena, muito menos uma que sofresse com pesadelos. Outra: jamais, em toda sua monótona existência, alguém lhe dissera que gostaria de ter seguido o seu exemplo ou escutado seus conselhos.
Até porque era um sujeito comum, ranzinza, sem namorada, sem ambição, sem vontade de fazer nada; atualmente também não gostava de vinhos, muito menos de bares ou conversas jogadas fora.
Cogitou a possibilidade de ter havido um engano, mas como seria possível? A carta tinha seu endereço, escrito corretamente, e seu nome completo.
Estranho.
E enquanto Ofélia cantarolava uma moda de viola, sentiu—se subitamente sem ar. Respirou fundo duas ou três vezes, mas não adiantou; tinha a impressão de que algo comprimia seus pulmões.
Precisou sair do apartamento para pegar um ar, e Benjamin não gostava de sair do seu apartamento.
Fizesse sol ou chuva, calor ou frio, ele sempre preferia ficar.
No entanto, naquele momento, as paredes do seu muquifo pareciam lhe roubar o oxigênio, e ele bandeou—se porta afora.
“Maldita nicotina” pensou, enquanto descia afobado pela escadaria do prédio e alcançava a calçada principal.




JANA LAUXEN é escritora, autora do livro Uma Carta por Benjamin e editora do selo Literarte, da Editora Multifoco. Organiza, ao lado do escritor Frodo Oliveira, a coletânea de contos policiais Assassinos S/A. Colunista da revista Café Espacial, publicou a historieta Pela Honra de Meu Pai, pela Mojo Books, inspirada na banda Pata de Elefante. Foi editora da versão brasileira da revista eletrônica inglesa 3:AM Magazine, e também uma das idealizadoras do projeto E-Blogue.com (in memorian). Participou de mais de 10 coletâneas, sendo a mais recente Galeria do Sobrenatural, da Terracota Editora.

Não deixem de visitar:
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e o twitter:
http://twitter.com/janalauxen

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