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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Confetes no funeral




Nem dois minutos no caixão e me aparece um travesti vestido de indiana, coloca três margaridas aos meus pés, e me chama sorrindo de Raj Ananda. O pior de estar morto nessa hora foi não poder avisar a boneca que o velório do Vilson era na capela ao lado. Pena que a troca infeliz só foi confirmada num saudoso apertão de bago. – Ai! Que malinha! Minha mãe, vendo a indiana se retirar enojada, jurou que eu subiria aos céus com bênçãos variadas.

Então chegou a bateria da escola de samba! (por que samba, se não sou de carnaval?!) A decisão dos parentes foi fazer uma grande festa, alto-astral; o defunto já havia chorado demais antes de partir, iriam dar-lhe a última alegria numa grande festa... Uma pinoia! Estavam tirando um sarro do poeta morto! Os transeuntes se animavam e vinham ver a festa na capela: Se essa porra não virar olê olê olá! E balançavam o caixão... Quem ia chegando recebia um punhadinho de confete para jogar em mim, uns se imaginavam na Fontana Di Trevi e faziam seus pedidos. Um tio que guardava algumas fotos 3X4 de quando eu era moleque começou a vender, creditando milagres ao recém-espírito! E eu não podia ao menos esbofetear-lhe a careca cínica!

- Morreu de quê?... Ele é tão moço...

- Ah, de frescura. Vivia escrevendo poema e acordou assim.

E lá se foi o bloco do poeta morto, confetes no meu funeral, rumo ao cemitério de Inhaúma. No caminho encontramos parte da torcida do Flamengo voltando do Maracanã. Comemoravam uma vitória sobre o rival Vasco e rapidamente se juntaram à bateria da escola de samba e ao meu caixão.

– Qual é o nome do defunto, minha tia?

-Allan, meu filho, Allan...

- E ele era Flamengo?

- Era sim, era fanático, idolatrava o Ronaldo Angelim!

- ENTÃO, VAMO LÁ, GALERA!! Ão Ão Ão ALLAN é do mengão! Ão Ão Ão ALLAN é do mengão! ALLAN! ALLAN! ALLAN!!

Daí por diante as coisas se descontrolaram, meu caixão já estava nos braços da torcida. As pessoas compravam cerveja nos bares próximos, ambulantes apareceram do nada (- Olha o picolé Dragão chinês!), a festa era tanta, que não conseguiam levar o defunto para a cova; deu tempo até para um Mc de funk genial inventar a dança do caixão (a letra era muito simples: Oi roça-roça no defunto!! Roça-roça no defunto! Roça-roça no defuntooooo!!). Nisso, uns flamenguistas salientes se meteram numa tremenda confusão com um grupo de anões torcedores do Bangu. Os anões visitavam o notório mausoléu do antigo ponta-esquerda “Meio mamilo”, vice-campeão estadual de 1948, e se aborreceram com o roça-roça desleal (os anões só viam salsichas). Um deles puxou um calibre 38 e começou a distribuir bala pra tudo que é lado. A correria foi generalizada; assim, deixaram meu pobre caixão no meio da rua, abandonado; e quando a polícia chegou só havia mesmo o meu caixão por ali.

- Oh, Telles, que caixão é esse no meio da rua?

- Sei não, Oliveira... Primeiro os traficantes mandaram bala, e depois deixaram esse caixão jogado aí... Tá estranho.

- Porra, Telles!... Tu acha que isso aí pode ser um caixão-bomba?

- Ué! Não tem homem-bomba na Arábia? Do jeito que brasileiro é, deve ter inventado o presunto-bomba, que é mais fácil...

- É... Bem capaz.

Eu pedi tanto um caixão com janelinha... Assim, eles poderiam ver minha face inocente, as flores sem pólvora... Mas não... Em cinco minutos estava nas mãos do esquadrão Anti-Bomba e, logo em seguida, com toda a área isolada, explodiram meu caixão e eu pelos ares num único clique.


Pois é... Agora só restam as histórias; não existe mais nenhuma prova concreta de quando eu morri, festeiro dia desses.

Um comentário:

Este blog surgiu após inúmeras recomendações, broncas, cascudos e beliscões de conhecidos. Aqui está, enfim, um espaço próprio para o escritor Allan Pitz publicar suas "Patavinices", seus textos, seus livros, e tudo o mais que o tempo for lhe guiando e desenvolvendo.

Obrigado pelo incentivo de todos.