Mario QuintanaOs ParceirosSonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.
Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.
Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro… eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida.
Ah, Mundo...Perdão!
Eu distraí-me ao receber a Extrema-Unção.
Enquanto a voz do padre zumbia como um besouro
eu pensava era nos meus primeiros sapatos
que continuavam andando
que continuam andando
- rotos e felizes! -
por essas estradas do mundo.
Casimiro de AbreuQue é SimpatiaSimpatia – é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia – são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia – meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d’agosto
É o que m’inspira teu rosto…
- Simpatia – é quase amor!
Meus oito anosOh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Como são belos os dias
Do despontar da existência
Respira a alma inocência,
Como perfume a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino de amor !
Que auroras, que sol, que vida
Que noites de melodia,
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !
Oh dias de minha infância,
Oh meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delicias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha, irmã !
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas
Brincava beira do mar!
Rezava as Ave Marias,
Achava o céu sempre lindo
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar !
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da, minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Ferreira GullarMau DespertarSaio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum
Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas
Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.
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