Allan PitzPalhaçadas TristesNinguém te vê quando esse pano cai
Enxugando o rosto triste das risadas,
Somente a máscara pintada tem
A força mestra dessas gargalhadas.
Sem o nariz pintado, o chapéu,
Sem a fajuta farda de labuta,
Sem essas horas que te trazem céu;
Sorvendo fel do riso à própria luta.
Ninguém te vê quando esse pano cai...
Só, enxugando o rosto das risadas.
Ninguém aplaude quando já não vê:
Jovem palhaço, triste, em poucas falas.
Isso tudo é grande palhaçada!
Sentimento que insiste:
Deus a fazer nossa estrada...
E o Diabo a pôr piche.
Chá de Arpoador (Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos 59 CBJE)
De repente cantando me vem
Uma história que eu queira contar
Na brisa que sopra no além
Do meu sonhar.
Placas com dizeres
E quereres
Não podem comprar
Panela velha, acento agudo, e computador.
Chás de repelente
Condizente com cada picar
De inseto agudo ou disco voador.
Gente, trepadeira,
Bagageiro que caiba levar
Todo o Arpoador.
Louco no poema
Rima em qualquer tema
Deixa fluir
Louca canção...
De repente cantando me vem
Algo bom que não possa acabar...
De repente o sonho faça além
Do que sonhar...
Abatedouro da FomeExistem aqueles malfadados dias
Em que o silêncio é capaz de remover montanhas,
E ainda que tentasse a voz por teimosias:
Não se expressa, não se diz, e não se explica.
Existem aquelas malfadadas horas,
Lentas horas, a ver um *Kafka por entre as palhas,
A ver um céu de etiquetas e roupas caras
Ou navegar
Por mares industriais.
Residem aquelas malfadadas decisões
Em minutos roubados que nos levam clarões,
Deixando o breu, o escuro, o intruso,
Tomar a rédea de nossas fracas ações.
Existem aqueles malfadados dias
Em que se busca, se almeja, e se quer a morte,
Quando no fundo só se quer mudar a própria sorte,
Quando no raso:
Só queríamos ver os campos; e o Forte.
...
Existem aqueles malfadados dias
Em que o nada se expressa através do nada,
Em que o nada se diz por entre a palha,
E o nada se explica:
Nada.
Ao som valioso do nada.
* Franz Kafka – Autor de “Um Artista da Fome”Eterno (Prêmio Flipoços Amigos do Livro 2010)
Eles arrancaram minha boca;
E eu sorri.
Eles arrancaram meus braços;
Eu acenei.
Eles arrancaram meus ossos do pé;
Caminhei.
No fim trouxeram a máxima lâmina,
Deceparam a cabeça frágil do corpo,
Comemoraram a desventura do eu morto.
E eu voltei.
Cegueira da sobrevivência (Prêmio Canon 2010)
No primeiro dia não vimos nada.
O disparo fatal no Arquiduque
As mentiras de cada colarinho
As canções que previram furo
As orações que previram rombo
O último assombro
O feno
Em pratos, tantos,
Desacostumados ao nobre capim.
No primeiro dia não vimos nada.
As migalhas em bocas conformadas
Os pássaros pedindo gaiolas de sobrevivência
Os Cardeais em sua santa indecência
Os Pastores trocando ovelhas por pessoas
Os riachos secos
Os becos
Não vimos o mangue seco
Apodrecendo aos poucos
Em cada um de nós.
No primeiro dia não vimos nada.
Não vimos o invasor ditar as regras
E molestar o seio de nossas famílias
E arrastar as primaveras, os doces dias,
Para fingir em falsas telas diabólicas
A vida vulgar que o meu filho morto
Não teria!
No primeiro dia não vimos nada.
Não vimos a fome
Não vimos a sede
Não vimos a morte
Não vimos a desunião
Não vimos a desilusão
Não enxergamos a injustiça
Nem as fantasias
As contas
Os abatedouros
O sangue
A utopia!
...
No segundo dia nós enxergamos tudo.
Sim, no segundo dia.
E seguimos exatamente como no primeiro.
Allan, adorei essas poesias *-* A primeira foi a que mais gostei!!!
ResponderExcluirEssa terceira por acaso está no seu livro? Se não for ela, é uma bem parecida!
Oi, Nanie!! A primeira foi uma letra de música que nunca virou música, as outras todas estão em livros, publicados ou inéditos. Acho que essa terceira está no Visões Comuns, sim. Escolhi as minhas poesias preferidas!
ResponderExcluirBjos!
Allan, seus poemas são maravilhosos! Amei "Chá de Arpoador". Parabéns pelo seu trabalho! Te desejo todo o sucesso do mundo, e estamos aqui pro que vc precisar, meu blog sempre terá espaço pra vc!
ResponderExcluirBeeijos.
Oi Liliana! Muito obrigado pela força!
ResponderExcluirTalvez, esse poeminha seja a coisa mais carioca que eu escrevi até hoje. Gosto dele.
Sucessos para você também!!
Beijão!