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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um Café Forte, um Ringue, e uma Pancada no Queixo


Eram oito horas e trinta minutos da manhã, estava passando um café forte para acordar; pensava em ganhar algum dinheiro quando o telefone tocou.

- Alô.

- Joel Montanha, o lutador? - quis saber o cara.

- Não, Joel Lucas, o “poeteiro” sem grana - eu disse.

- Ah, caceta, me falaram que você era um pugilista peso pesado dos bons!

- Sim, há dez anos mal vividos, depois disso muita água passou por debaixo da ponte. Acho que a agenda telefônica de vocês está ferrada. Deve ser Alzheimer...

- Mas, Joel, tu nunca mais lutou nada mesmo?

- Não, cara, só na rua... Umas brigas de galo manso, que não levam a nada... E ainda bato no meu saco de areia, mas...

- Já está ótimo assim! Só preciso de um cara para fazer sparring, nada demais. Três dias, trinta reais por dia, mais a passagem e a alimentação. O que me diz?

- Eu fumo cigarro, e...

- Ok, o meu atleta vive fumando às escondidas!

- Legal. Mas prefiro quarenta e cinco por dia, o que me diz?

- OK, campeão, ok...

- Agora me fala aí, por que não tem outro cara mais inteiro para fazer luvas com o seu lutador?

- Bem, o garoto é bom demais, sabe e, mesmo com proteção, ele, às vezes... Bem, ele... Acerta uns bons golpes. Entende?

- Os caras têm medo dele...?

- Não é medo; é; como eu posso te dizer...? Respeito!

- Sei, sei...

Laércio Grandão, o empresário do garoto de ouro que ganhara as últimas vinte lutas por nocaute nos primeiros assaltos, me passou o endereço e as coordenadas dos três dias de treino. Em quatro horas eu estaria trocando socos com um ex-detento da FEBEM, um garotão de 115 Kg, feito de pedra (contra meus 94 Kg feitos de massinha de modelar), com sangue nos olhos, batendo no mundo que o espancara com toda a força do abandono. Fantástico! Talvez uma boa surra me devolvesse aquela velha vontade de lutar por mim mesmo. Parecia uma boa.

Nunca fui um lutador medíocre; talvez, apenas mais um limitado; possuía uma pancada de direita milagrosa, disposta a me salvar de uma avalanche de socos mais ágeis, braços mais fortes. A guarda era sempre alta; as pernas duras; o queixo não era mole; dava pra aguentar pancadas firmes até eu soltar a marreta no oponente: um lenhador, batedor. Lento, porém mortal. Pego-me lembrando certas lutas amadoras em que o oponente era peso pesado de músculos, enquanto o meu peso pesado era de massa espalhada. Os lutadores (principalmente quando negros) dançavam pra lá e pra cá, socavam com uma velocidade incrível, soltavam mil jabs em poucos minutos, retirando minha opção de raciocínio. Então, eu não raciocinava. Entrava disposto a esperar o momento certo para varrer o seu rosto com uma ou duas machadadas em forma de cruzados e diretos. Muitas vezes deu certo!

Uma vez na academia, altamente equipada, Laércio Grandão me recebeu com muita gentileza. Levou-me logo para longe do ringue, onde o garotão musculoso e tatuado (também com uma enorme cicatriz no pescoço) já me encarava feio. Deu-me uma bolsa azul com materiais novos para o treino.

- Esse moleque está vacinado? – perguntei ao Grandão, enquanto caminhávamos para o vestiário.

- Oh, sim, essa cara feia dele é normal. Ele tem raiva do mundo, mas é um cordeirinho na minha mão. O lance dele é ganhar dinheiro com Boxe; o meu também é. Se ele for cooperativo, posso ajudar.

- Entendo...

- O Barão passou poucas e boas no reformatório juvenil... Tinha de brigar até pra beber água e usar o banheiro. Cada mijada era um combate. Por isso, já é o campeão Sul-Americano dos Pesos Pesados.

- É... Na literatura é mais ou menos assim.

- Ah, meu amigo, você não sabe o que está dizendo!

- Nem você. Pode deixar, Grandão, avise quando o garoto estiver pronto para tentar me matar. Vou me aquecer aqui mesmo.

- Tudo bem. Em quinze minutos eu volto para chamar, ele só está terminando uma série.

- Beleza.

Por um segundo pensei: o que eu estou fazendo aqui? Não tenho condições físicas para cinco minutos de luvas com aquele monstrinho social. Eu deveria correr. É claro que deveria correr. Poderia, depois, escrever um poema sobre o lutador que desistiu definitivamente de lutar e fim de papo; ficaria tudo como história. Mas daí repensei e vi que, assim como o jovem sedento no ringue, eu também precisava liberar todo o meu ódio contido. E se não fosse esportivamente, como a situação permitia, poderia ser numa desgraça, como aquela vez em que um professor de boxe tailandês me cobriu de caneladas, equivocadamente, em um bloco carnavalesco. E, depois, eu quebrei − covardemente, é verdade − uma garrafa cheia de tequila em sua cabeça. Impressionante como muitos foliões não se incomodaram em sambar sobre uma poça de sangue alcoólico.

- Já está pronto? – perguntou-me Grandão na porta.

- Já, vamos ao abate.

- O cara me falou que você tem uma pegada boa.

- Pois é...

Agora, no ringue, frente a frente, dava para perceber a altura e as dimensões do Barão: as cicatrizes, a tatuagem ‘Jesus é Poder’. Era realmente um atleta do massacre. Iria destruir um poeta relaxado, fumante, e que vive abusando do álcool. Seria diversão pura.

Assim que começamos a luta, tentei soltar alguns jabs para provar que não era bobo, mas a distância dos golpes mostrava-se errada. Minhas pernas estavam mais duras do que nunca, as costas pareciam querer voltar para a cadeira de escrever. Então, o Barão começou a bater na plebe: UM, DOIS, TRÊS. UM, DOIS, TRÊS. Depois de dois minutos apanhando, passei a gostar de apanhar; considerei que a mão do garoto não era tão pesada assim. O mundo tinha mais peso na hora de bater. Era apenas rápido, valente, mas não um Deus.
TOMA! O primeiro golpe que eu encaixei. O moleque tonteou? Que diabos estão fazendo ultimamente com esse esporte?! Então, tome no queixo! E tome outra, e outra, e outra! E o campeão cai. Levanta-se assustado, logo depois, mas por um segundo sua boca de bueiro beijou a lona. A raiva dele já estava evaporando com o sucesso e a abdução de novidades, era só estampa. Minha fúria, sim, estava viva, e me tornava leve.

Após ele se levantar, entendi o porquê do cinturão. Foi uma sucessão de golpes, frente a frente, no meio do ringue, luta franca, até o infeliz acertar de jeito as minhas costelas cansadas. Então, eu caí. Fim de luta. O garotão aproveitou para se sentar no seu canto de cabeça baixa. Enquanto bebia bastante água, seu instrutor lhe confortava a nuca com uma toalha molhada. Eu falei, tentando me levantar devagar:

- Foram cinco minutos bem jogados, Barão.

- Foi sim - ele respondeu. - Você tem mãos de pedreiro.

- Só não quero mais lutar com você; hoje eu percebi uma coisa que me assustou um pouco.

- O quê?!

- Depois que me tornei escritor, aprendi a apanhar mais do que bater. Já não sirvo para lutar sem as palavras. Virei galinha morta. Sacou?

O Barão da FEBEM ficou conversando comigo durante meia hora, disse que gostava de ler poemas no reformatório, por serem pequenos e mais fáceis do que uma história inteira, sobretudo para quem ainda está começando a ler. Falou sobre a avó que o criara em uma favela; e as lutas, que começaram desde cedo. Depois, agradeceu pelo treino.

Grandão compreendeu a minha decisão de não fazer os outros dois treinos marcados, e mesmo assim me pagou 105 Reais, e um táxi para voltar com certo conforto.

- Por que tudo isso, Grandão?

- Ver um atleta acabado, bêbado, fodido, dar um cruzado daqueles no ensebado do Barão foi sensacional! Eu devia te dar o meu rabo se você quisesse. Depois desse susto, o merdinha vai ganhar o Mundial!

Filho da mãe (me conhecia desde o início)!... Barão e eu estávamos batendo no cara errado, afinal.



4 comentários:

  1. Esse grandão tinha que entrar na pancada, mais que cara safado! Ele chamou o Joel Montanha já sabendo que ele tinha abandonado os ringues, chamou para o Barão encaçapar ele no ring para fazer score de luta!!! Desgraçado!!!

    Bom conto gostei bastante!!!

    Abraços

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  2. Maravilha! Rsrs...
    Esse Grandão é 'maroto' mesmo, mas não dizem que o mundo é dos espertos? Pois, então...
    Um esperto em cada esquina. Em qualquer situação.

    Obrigado por comentar!

    Um abraço.

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  3. Olá acabamos de abrir um blog de resenhas e estamos em busca de parcerias com autores!
    Podemos?

    http://obsessionvalley.blogspot.com/

    Obrigada pela atenção.

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  4. Oi, Nana, seria ótimo.
    Mas estou sem material para te enviar (livros para resenhas, marcadores). Estou esperando o lançamento do meu próximo livro para recomeçar os trabalhos e preparar bastante material.

    Eu é que te agradeço!

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Este blog surgiu após inúmeras recomendações, broncas, cascudos e beliscões de conhecidos. Aqui está, enfim, um espaço próprio para o escritor Allan Pitz publicar suas "Patavinices", seus textos, seus livros, e tudo o mais que o tempo for lhe guiando e desenvolvendo.

Obrigado pelo incentivo de todos.