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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A CÉLULA DA FORMIGA SEXUAL


(Este conto foi publicado na oficina de textos da Revista Cult em janeiro de 2009, e faz parte do livro A fuga das amebas selvagens.)

Minhas células resolveram brincar comigo dia desses. Os genes, o cérebro, todos juntos, brincavam de ativar e desativar, ligar e desligar. Era então do espelho, a missão de narrar as transformações em cascata ao entendimento. E vi refletido na própria imagem, variações de milhares de espécies animalescas, informações esquecidas no meu mapa da composição. Neurônios informativos abandonados pela evolução que, aos poucos trocou nossas funções fantásticas por eletrodomésticos caros. Homem jumento, Lobisomem, jacaré, coruja... Até o momento em que me senti na maior queda livre de toda a minha vida; no fragmento imperceptível de um antigo copo de vidro quebrado encontrei-me formiga. Parei assim. Acreditei estar sendo castigado por algum Deus Hindú, quando a visão acolhedora de uma fêmea de minha nova espécie fez-me crer, que aquilo acontecera por um motivo muito maior; fui trazido à nova veste corpórea pela vontade de alguém.

A louca agarrou-me sem mais. Sem nenhuma imposição moral ou social, sem as horrendas travas de concepção humana reprimida, apenas microscópicas criaturas ardentes na imensidão de qualquer coisa. Encontrando em cada partícula um do outro, todo o calor dos entrelaces mais selvagens. Abraçando, beijando, mordiscando, rolando ao chão... Até que ouvi a surpreendente e deliciosa voz humana da Formiga Rainha: Nasci para dar-te prazer meu amor, sou tua e de mais ninguém! Toma-me por deleite sempre que desejares. Sou tua eterna possuída, amo-te por qualquer corpo.

Ao meu lado, guardo numa caixinha com areia rodeada de regalias, a amada recíproca de fato. Alguns insetos mortos e grãos para nossos jantares românticos. E todo dia nos encontramos formigas, amantes; por almas loucamente apaixonadas.

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Este blog surgiu após inúmeras recomendações, broncas, cascudos e beliscões de conhecidos. Aqui está, enfim, um espaço próprio para o escritor Allan Pitz publicar suas "Patavinices", seus textos, seus livros, e tudo o mais que o tempo for lhe guiando e desenvolvendo.

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